Milagreiros,
graças a Deus
“Elegbá veio, sou eu, elegbá, laroê/ Com Zumbi que veio
de elegbá/ Pode tu, Zumbi Bará, pode ir/ Pode ir lá/ Que teu povo veio chamar”,
versos de “Zumbi Bará” (Rafael Altério e Paulo César Pinheiro).
Assim canta Rafael Altério, abrindo seu CD Santo de Casa (independente,
com patrocínios). Aceitando o chamamento, levou consigo sua brasilidade e seus
santos de casa: amigos de fé, músicos de boa cepa, todos integrados no papel de
solidificar a mistura da sonoridade harmônica com o fervor rítmico, resultando
em música de brasileira qualidade.
Para tanto, contribuem os arranjos – a maioria de Rafael
Altério (a direção artística é dele e de Celso Viáfora) – e as percussões,
principalmente quando estão nas mãos de Kleber Benigno (Paturi), Márcio Jardim
e Nazaco Gomes, os meninos paraenses do Trio Manari. Aos tambores amazônicos se
juntam as teclas dos pianos (Paulo Calazans, Breno Ruiz e Rafael Altério), o
acordeom (Breno Ruiz), a bateria (Gabriel Altério), a flauta (Teco Cardoso), as
cordas dos violões (Luiz Ribeiro, Dani Black, Pedro Altério, Dani Altman e
Rafael Altério), o baixo (Marcelo Mariano), a guitarra (Léo Amuedo e Dani
Black) e o cello (Mariza Silveira). Toda essa gama infinita de sons vigorosos
dá a Rafael o direito de impor com dignidade o seu vozeirão – sua voz tem o seu
tamanho. Cercado de amigos, desde os instrumentistas até o coro feminino, ele
não poderia deixar de também trazer para perto de si os parceiros letristas,
Paulo César Pinheiro, Celso Viáfora, Joãozinho Gomes, Breno Ruiz e Rita
(esposa) e Pedro Altério (filho). Todos santos da casa dos Altério,
milagreiros, graças a Deus.
Ao ouvir as onze faixas do CD, entende-se perfeitamente o
que Rafael quer com a música e o que ele ambiciona alcançar com ela: para
Altério, música é missão cultural. Sabedor de tamanha exigência para consigo
próprio e para com sua obra, trata de criá-la como quem concebe um filho.
A pegada da pele dos tambores está presente em quase todas
as faixas. Com o balanço comendo solto, impossível aquietar o esqueleto. E
segue o som, até que chega um momento de calmaria: André Mehmari tocando ora
piano acústico, ora acordeom, e Rafael cantando, dele e Rita, “Flor de Rio”.
Logo a seguir, “Quando o Galo Cantar”, também dos dois. Os
tambores do Manari e a flauta pontuam o início do canto. O pandeiro (Douglas
Alonso) tem vez e segue até que o violão de aço, a bateria e o baixo, este com
uma puxada de intensa pujança, juntem seu som à voz. A caixa da bateria conduz
agora. O coro feminino reforça. O violão e a flauta fazem breve intermezzo.
A melodia volta com Rafael e o coro... Meu Deus!
É a hora do sincretismo musical/religioso/afetuoso de
Altério se despedir. E ele canta a letra de Joãozinho Gomes para “Camarada de
Ogã”: “Vou pela manhã, tô indo agora/ O dia raiou fora de hora/ Vai junto de
mim/ São Sebastião crivado/ São Bartolomeu irá ao meu lado”.
A casa dos santos de Rafael Altério está aberta.
Aquiles Rique
Reis, músico e vocalista do MPB4
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