segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Por uma crítica cultural dialética

Por uma crítica cultural dialética
Iná Camargo Costa
Este texto é um resumo comentado da introdução ao ensaio “Crítica cultural e sociedade”, escrito por T. Adorno no início dos anos 60. Sua inspiração foi um ensaio dos anos 30, de Walter Benjamin, “O autor como produtor” que, por sua vez, é uma reflexão sobre a experiência de Brecht com as peças didáticas. Dada a sua genealogia, podemos assumi-lo como uma espécie de plataforma da crítica dialética.

O crime de lesa humanidade do capitalismo não é o de ter criado uma sociedade materialista onde se desejam bens de consumo, mas tê-la organizado de modo a impedir que a ampla maioria obtenha os bens de consumo que produz. Nós somos pela saciedade e contra a fome em todos os âmbitos, inclusive o da cultura.

Uma sociedade com plena consciência de si mesma não precisaria ter ideologia, necessária em sociedades como a nossa que não pode ter essa consciência, na medida em que ela contradiz seu próprio conceito, o de humanidade. No atual estágio, de acelerado descrédito do neoliberalismo (a última versão da ideologia), que entretanto não sairá de cena de bom grado, a função da cultura e da crítica prestigiadas pelo mercado e seu porta-voz, a imprensa, é empenhar toda a energia no cultivo das aparências e na ofuscação da consciência.

Por outro lado, por mais que se empenhem os interessados na preservação do estado de coisas, eles não têm como impedir por muito tempo a manifestação da cultura, da arte e da crítica dialéticas, que já estão por todo o lado e estão empenhadas, com igual ou maior energia, em forçar a sociedade a confrontar seu próprio conceito. Por isso combatem, às vezes com legítima fúria, obras e opiniões críticas que continuam afirmando falsidades como harmonia, liberdade de espírito, vida, indivíduo e seu cortejo de ilusões conexas. A crítica dialética tem o compromisso de levar a não-verdade à consciência de si mesma onde quer que ela se manifeste.

A profissão de crítico desde a origem tem um elemento de usurpação, fundado na divisão do trabalho. Este profissional, na essência, não é diferente do que fornece dicas ao mercado. Apenas atua no mercado dos produtos espirituais: como perito na especulação com as artes plásticas ou como juiz no mercado do entretenimento. A ilusão e a auto-ilusão de competência são intrínsecas ao exercício do metiê. A petulância com que é exercido na imprensa decorre da amena consciência de que o êxito do crítico, assim como o das obras, é um diploma conferido pelo mercado. Mas convenções bem sucedidas são por sua própria natureza ultrapassadas e então soa a hora em que o crítico não entende mais o que julga. É quando ele prazerosamente se deixa rebaixar aos papéis de propagandista do que permanece aferrado às convenções e de censor de tudo o que foge a elas, ainda mais feroz se a obra expuser alguma não-verdade.

Consuma-se então a antiga falta de caráter de um ofício que participa do amplo trabalho de tecer o véu das aparências.A crítica dialética empenha-se em confrontar metodicamente todas as manifestações da propaganda e da censura, em expressa aliança com a arte também dialética.

Iná Camargo Costa é professora de Teoria Literária na USP 
e autora de A Hora do Teatro Épico no BrasilFonte: O Sarrafo, n. 1, 2003.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Bateia Cultura: um balanço de 2010

Neste domingo, dia 10 de outubro, estreou o espetáculo Senhora dos Afogados, belíssima encenação de Ana Kfouri para texto de Nelson Rodrigues. A estreia deste trabalho veio coroar um belíssimo ano na Bateia Cultura.

Em janeiro e fevereiro iniciamos nossa parceria com a diretora e atriz Ana Kfouri, quando fizemos temporada do monólogo  A Inquietude, de Valère Novarina, com direção de Thierry Trémouroux, no Teatro Poeira. Nos meses de março e abril seguimos com o mesmo espetáculo para uma temporada de cinco semanas no SESC Avenida Paulista. Depois "A Inquietude" viajou para o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, em julho, para o FIT-BH em agosto e para o Porto Alegre em Cena em setembro.


Nos meses de fevereiro e março fizemos duas temporadas, a primeira no Drink Café e, a segunda, no Teatro Café Pequeno, do cantor, compositor e instrumentista Rômulo Gomes. Os shows contaram com diversas participações especiais, como Zé Renato, Roberto Menescal e Ricardo Silveira. Em outubro este show volta em única apresentação no Lapinha.

Em março realizamos o show Dez Cordas do Brasil, do maestro Jaime Alem, que marcou o lançamento do CD homônimo. Os shows aconteceram na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. No mês seguinte o mesmo show foi para o SESC Ginástico e, em agosto, para o Teatro Municipal de Niterói. As cantoras Rita Ribeiro e Nair Cândia e o músico Marco Lobo fizeram participações especiais. 

Em abril fizemos a produção local e divulgação do show do cantor brasileiro Gladston Galliza, que atualmente mora na Espanha. Os shows aconteceram no aconchegante Espaço Rio Carioca, em Laranjeiras.

Em maio a Bateia Cultura foi a responsável pela produção no Rio de Janeiro da temporada popular do musical Avenida Q, dirigido por Christina Trevisan, com direção original da dupla Cláudio Botelho e Charles Möeller. A temporada que deveria ter cinco semanas acabou prorrogada por mais duas, devido ao enorme sucesso, que encheu o Teatro Carlos Gomes. E a partir de agosto Avenida Q seguiu turnê pelo Estado do Rio de Janeiro, também com produção da Bateia Cultura, por Niterói, Rio de Janeiro, Petrópolis, Volta Redonda e Angra dos Reis. Ainda para o final do ano mais cinco cidades do estado estão previstas.

Em junho a Bateia Cultura teve o prazer de produzir a vinda ao Rio de Janeiro do espetáculo Mané Gostoso, do Ballet Stagium, um dos principais grupos de dança do Brasil, que no ano que vem completa 40 anos. As apresentações aconteceram no Teatro Nelson Rodrigues.

Em julho estreou no Festival de Inverno do SESC Rio o espetáculo As Impostoras, texto inédito de Rodrigo de Roure escrito especialmente para as atrizes Ana Kfouri e Ana Abbott, dirigidas por Renato Carrera. As apresentações aconteceram em nos SESCs Nova Friburgo e Teresópolis.


E em outubro estreou o Senhora dos Afogados, que vem coroar 19 anos de estrada da Cia Teatral Movimento - CTM, grupo bravamente dirigido por Ana Kfouri. Aos atores Ana Abbott, Cris Larin, Fabiano Fernandes, Renato Carrera e Renato Livera, integrantes da CTM e do extinto grupo Alice 118, também dirigido por Ana Kfouri, juntaram-se mais 12 atores, 3 músicos e 12 figurantes, além de uma extensa equipe de criadores, produtores e técnicos, que numa comunhão jamais vista conseguiram levantar este grandioso e belíssimo espetáculo, no igualmente belíssimo Restaurante Albamar, na Praça XV.

Nós, da Bateia Cultura, queremos agradecer aos artistas aqui citados: ao Jaime Alem, à Ana Kfouri, ao Rômulo Gomes, ao Israel Dantas, à Marika Gidali e a todos do Ballet Stagium, ao Gladston Galliza, ao Thierry Trémouroux, ao Marcos Mendonça, Dalva Abrantes e Marcos Amazonas, da Bottega D'Arte, ao Valdir Archanjo e Bira Saide, da Asa Produções e a toda maravilhosa equipe do Avenida Q e a todos artistas, técnicos, criadores e produtores que passaram por todos esses trabalhos ao longo de 2010.

Para 2011, muitas novidades: novos shows do maestro Jaime Alem, novos trabalhos com a Ana Kfouri e Rômulo Gomes e projetos com o MPB4.

Agradecemos especialmente a você, que nos prestigia assistindo aos nossos trabalhos. E não deixe de assistir ao Senhora dos Afogados.

um abraço a todos,
Marcelo Cabanas
Camila Martins

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Divulgados os indicados para o 4º Prêmio APTR de Teatro

Confira os indicados ao 4º Prêmio APTR de Teatro. O júri é formado por Barbara Heliodora, Lionel Fischer, Macksen Luiz, Mauro Ferreira e Tânia Brandão.

AUTOR

Cristiane Jatahy - "Corte seco"
Flávio Marinho - "Além do arco íris"
Licia Manzo - "Histórias de nós dois"
Maitê Proença e Luis Carlos Goés - "As meninas"
Rodrigo Nogueira - "Play"

DIRETOR

Amir Hadad - "As meninas"
Charles Möeller - "O despertar da primavera"
Enrique Diaz - "In on it"
João das Neves - "A farsa da boa preguiça"

CENÓGRAFO

Bia Junqueira - "Na solidão nos campos de algodão"
Cristina Novaes - "As meninas"
Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque - "Moby Dick"
Rogério Falcão - "O despertar da primavera"

FIGURINOS

Beth Filipecki - "As meninas"
Kalma Murtinho - "Gloriosa"
Kika Lopes - "Moby dick"
Marcelo Pies - "O despertar da primavera"

ILUMINAÇÃO

Paulo César Medeiros - "O despertar da primavera"
Paulo César Medeiros - "As meninas"
Maneco Quinderé - "Moby Dick"
Rodrigo Portella - "Na solidão nos campos de algodão"

ATOR PROTAGONISTA

André Diaz - "Avenida Q"
Armando Babaioff - "Na solidão nos campos de algodão"
Emílio de Melo - "In on it"
Fernando Eiras - "In on it"
Guilherme Leme - "O estrangeiro"
Roberto Bomtempo - "Espia uma mulher que se mata"

ATRIZ PROTAGONISTA

Beth Goulart - "Simplesmente eu, Clarice"
Fernanda Montenegro - "Viver sem tempos mortos"
Marília Pêra - "Gloriosa"
Sabrina Korgut - "Avenida Q"

ATOR COADJUVANTE

Cristiano Gualda - "Oui, oui ... A França é aqui"
Ernani Moraes - "A farsa da boa preguiça"
Rodrigo Pandolfo - "O despertar da primavera"
Telmo Fernandez - "Tom e Vinicius"

ATRIZ COADJUVANTE

Claudia Neto - "Avenida Q"
Patrícia Pinho - "As meninas"
Solange Badim - "Oui, oui.. A França é aqui"
Suzana Ribeiro - "Estranho casal"

MELHOR ESPETÁCULO

"A farsa da boa preguiça"
"Avenida Q"
"In on it"
"O despertar da primavera"

CATEGORIA ESPECIAL

Beto Lemos, pela música de "Kabul"
Bia Radunski, Pela programação do Espaço SESC
Liliane Secco, pela direção musical de "Esta é a nossa canção"
Marcelo Claret, pelo desenho de som de "O despertar da primavera"

sábado, 13 de março de 2010

A viola e o violeiro

texto de Aquiles Rique Reis* sobre o CD "Dez Cordas do Brasil", de Jaime Alem

    Dez Cordas do Brasil (lançamento do selo Repique Brasil, do cantor, instrumentista e arranjador Chico Adnet, ele que é também o produtor executivo do trabalho) é o primeiro CD instrumental solo do compositor, instrumentista e arranjador Jaime Alem.
   
    Nascido no interior paulista, Jaime conviveu com o sabor das coisas simples, das quais absorveu o saber profundo do que é ser de algum lugar, do que é pertencer a uma aldeia, nela se fortalecendo até partir, para botar a boca no mundo e o pé na estrada, e, enfim, perder-se até ganhar a vida.

    A viola de dez cordas tem o som do mundo. Nele, árabes e nordestinos, portugueses e mineiros têm o mesmo linguajar. Nele, o ponteado é do campo e é da cidade; suas modas vêm de raízes rasas e profundas; seu dedilhar traz o cateretê e o maxixe, a ciranda e o calango. Seu toque é inconfundível. Mas por vezes, para a ele agregar novas sonoridades, Jaime se valeu de uma viola de doze e de um violão de seis cordas de náilon.

    Para gravar seu disco, treze imagens vieram-lhe à cabeça e logo se materializaram na ponta dos dedos: uma barcaça desce um rio, na proa vislumbra-se um violeiro; o cheiro de um bolinho de arroz recheado com pedaços de toucinho atiça o desejo; dançarinos brincam na roda de uma ciranda em Parati; na Estação da Luz paulistana, violeiros esmoleiros, ao som de uma viola tosca, com apenas uma corda, passam o chapéu; um cheiro sugere Minas Gerais; a lembrança de um guitarrista; a mó macetando grãos; a fiandeira tecendo na roca; Minas e Pernambuco, uma só beleza; um violeiro brabo impõe respeito aos roqueiros de uma cidadezinha do interior; um berimbau tocado sobre a perna; uma Ave-Maria nascida ao acaso; um agalopado a tudo carrega para longe, sem pressa...

    E assim, feito parto natural, doloroso, rápido, comovente e tocante, as treze peças nasceram sob a vivacidade da emoção relembrada.

    O ponteando da viola faz de “Costeira do Rio” um símbolo do que virá; “Pracatugudum” é samba rural suingado e malicioso; “Moda de Uma Corda Só” tem rica linha melódica tocada em apenas uma corda e surpreende com a referência a “1x0”, o famoso choro de Pixinguinha; “Sonata do Agreste” é pungente em sua mistura de climas e andamentos; “Moenda” e “Romance da Moura”, plenas de improvisos e de contrapontos, se complementam, talvez pudessem ser uma única música; “Ave Maria das Violas” é cantada emocionadamente, com a letra original em latim, por Jaime Alem.

    Dez Cordas do Brasil confirma o quão viscerosa é a viola de dez cordas para Alem. Foi a partir do contato dela com seu peito, já dentro de um estúdio (onde entrou sem sequer uma composição pronta), que numa catarse musical-afetiva pôs-se a desarrumar emoções, saudades e lembranças. Desfragmentou-as a partir da estética sonora de um instrumento singular, tão familiar quanto íntimo. Assim foi criado o repertório que gravou, simples e instigante como um tênue fluxo de luz filtrado de uma nuvem escura no céu agreste.

*Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4


Diário do Comércio (SP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e no Brazilian Voice (uma publicação voltada para os brasileiros residentes em toda costa leste dos EUA).