segunda-feira, 18 de julho de 2011

Coluna do Aquiles, o CD de Carmen Queiroz

Uma cantora definitiva

        Ela nasceu no Paraná. Vivendo na capital paulista desde o início dos anos 1980, iniciou ali sua trajetória de cantora popular. Vinte anos de carreira. Até hoje gravou quatro discos. Há tempos não sentia o que experimentei ao ouvi-la cantar: certeza de estar diante de um talento definitivo, pronto, acabado e retocado... Mas poucos a conhecem. Meu Deus!
        Sua voz é marcante, diferenciada; sua brejeirice assombra; sua delicadeza cativa; suas interpretações têm estilo próprio, único; o vigor do seu cantar é arrebatador; o timbre parece envolto em veludo; afinação indo às notas como a seta vai ao alvo; noção rítmica digna de aplausos entusiasmados... Uma grande cantora.
        Não bastassem tantos predicados, ela canta o que lhe habita a alma, ali entranhada desde tempos idos. Ouvindo canções que se fizeram trilha sonora de seu passado e presente, forjou em canto a emoção que marcaria seu destino. Feito cicatriz, a música misturou-se à sua pele, grudou-se a ela e foi-lhe à corrente sanguínea, bombeando energia a tripas e músculos. Coração aberto à música, sua vida é cantar o que sabe ser seu, por destino e serventia... Mas poucos têm o prazer de escutá-la.
        Ela é Carmen Queiroz, a que gravou Enquanto eu fizer canção (independente), cuja direção musical coube ao violonista Edmilson Capelupi. Num dos mais belos momentos do disco, tocou a ele e seu violão acompanhá-la em “O Meu Amor” (Chico Buarque). O instrumento, parecendo se desdobrar em vários outros, se faz de orquestra de cordas e cria atmosfera de enobrecer a canção.
        Os efeitos e a percussão de Guello, o baixo de Edson Alves, o acordeom de Olívio Filho e o violão de Natan Marques criam o clima perfeito para Carmen interpretar “No Dia Em Que Eu Vim Embora” (Caetano Veloso e Gilberto Gil). O violão faz a introdução. A voz de Carmen soa crispada. O acordeom ameniza a crueza. A percussão bate coco. O baixo dá o chão... Caetano e Gil, se ainda não o fizeram, deveriam ouvi-la, isso lhes produziria enorme prazer.
        Em “Alô... Alô?” (André Filho), o som grave do clarone (Mário Marques) se sobressai junto à flauta (João Poleto) e aos clarinetes (João Francisco e Alexandre Ribeiro). A percussão suinga... E tome polca.
        Cantando “Nenhuma Lágrima” (Sueli Costa), Carmen tem no clarinete (Alexandre Ribeiro) contraponto perfeito. Acrescentando-lhe malemolência, o chorinho se faz mais lamentoso pelo violão de Capelupi e o bandolim de Milton Mori.
        Para homenagear Ângela Maria, Carmen Queiroz se dilacera cantando “Tango Pra Tereza” (Evaldo Gouveia e Jair Amorim). Ao violão, só Edmilson Capelupi. E para que mais?
        Hermínio Bello de Carvalho escreveu versos para “Estrada do Sertão” (João Pernambuco), faixa bônus que conta também, uma vez mais, com apenas o violão de Capelupi. Fortalecida pela sensibilidade e por sua memória musical, a voz de Carmen amplia a emoção do disco... E poucos a conhecem. Meu Deus!

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

Saudade: descanse em paz, Billy Blanco. E quanto ao seu desejo, “Aconteça o que acontecer, não parem nunca de cantar”, deixe com a gente, seguiremos cantando.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A Morte do Pato - Patrocine!

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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Coluna do Aquiles, o CD de Ricardo Machado

Memória musical afetiva

        Ricardo Machado lançou A sombra confia ao vento (independente), onde estão músicas que foram destaque no início e meados do século passado. São canções que fazem parte da memória musical afetiva do cantor; músicas que estão para ele como uma foto pendurada na parede da emoção... Assim como também para cada um de nós há um repertório que nos ampara desde sempre.
        Ricardo canta canções que não se imagina um intérprete selecionando para compor o repertório do seu álbum. Assim, soa de forma quase inusitada a regravação de “A Casinha Pequenina” (canção popular tradicional) e “Se Essa Rua Fosse Minha” (modinha tradicional). Mas o que pode parecer num primeiro momento insólito, é, na verdade, uma forma corajosa de reavivar emoções já quase à flor pele. A verdade em forma de sentimentos que não voltam, mas se perpetuam através de melodias e versos longínquos.
        A seleção musical de RM segue apontando caminhos que nem de longe se pode achar fácil de ser trilhado. Misturando Chiquinha Gonzaga (“Menina Faceira”); Waldir Azevedo e Miguel Lima (“Pedacinhos do Céu”) e Carlos Gomes e Francisco Leite de Bittencourt Sampaio (“Quem Sabe?”) com Fredera (“Sábado”); Zé Renato, Juca Filho e Cláudio Nucci (“Toada”) com Cartola (“O Mundo é um Moinho”) e Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (“A Flor e o Espinho”), o álbum adquire o jeitão de um panorama musical popular brasileiro.
        Ricardo Machado é afinado e divide com sabedoria as frases melódicas. Embora, por vezes, abuse do vibrato nas notas mais longas, seu timbre é agradável; sua extensão vocal (embora também se saia bem nos agudos) tem como força maior as notas de escala intermediária. Mas o principal é que suas interpretações têm marca registrada, pois ele canta de mãos dadas com a emoção e convicto da beleza de poder dividir com seus ouvintes o chamamento que lhe sai do peito e ganha contorno de história vivenciada através da música.
        Com singeleza e contemporaneidade, em “Prece ao Vento” (Gilvan Chaves, Alcyr Pires Vermelho e Luiz Câmara Cascudo) Dirceu Leite brilha na flauta e Afonso Marins, no baixo; “Melodia Sentimental” (Villa-Lobos e Dora Vasconcelos) traz bela participação de Maria Clara Valle no cello; em “Casinha Pequenina”, destaque para o sete de Toni 7 cordas e o bandolim de Ricardo Calafate (arranjador e diretor musical); em “O Trenzinho do Caipira” (Heitor Villa-Lobos e Ferreira Gullar), o violão, mais o piano acústico de Kiko Horta, dão leveza à levada; em “Serra da Boa Esperança” (Lamartine Babo), Kiko Horta arrasa no acordeom; e em “Castigo” (Dolores Duran)  acompanhamento e o solo da guitarra de Ricardo Calafate nos tocam e emocionam pela brandura da lembrança.
        Ricardo Machado nos convence definitivamente de que, quando a sombra confia no vento, ambos voam juntos, do passado ao futuro, fazendo do presente o momento mágico de reverenciar as músicas que amamos.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

Saudade: Perdemos Mário Chamie. Foi-se o grande poeta, ficam suas palavras.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Coluna do Aquiles, CD em homenagem a Nelson Cavaquinho

A música de um gênio

    Thiago Marques Luis produziu Uma flor para Nelson Cavaquinho – 100 anos (Lua Music), que abre com “Quando Eu Me Chamar Saudade” (Nelson e Guilherme Brito). O cello toca; o violão e Alcione vêm para dar dramaticidade à obra.
    “Palhaço” (Nelson, Oswaldo Martins e Washington). Violão e piano acompanham Leci Brandão. A dor dos versos amplia seu canto.
    “Minha Festa” (Nelson e Guilherme). Emílio Santiago, com belos graves, realça o melodista Nelson Cavaquinho.
    “Folhas Secas” (Nelson e Guilherme). Tânia Maria canta serena. A poesia ganha beleza. Sobre o improviso do trombone e do piano, tudo flui até os vocalizes de Tânia.
    “A Mangueira Me Chama” (Nelson, José Ribeiro e Bernardo de Almeida Soares). Eis Beth Carvalho. Se o samba chama, ela vem. Definitiva.
    “Degraus da Vida” (Nelson, César Brasil e Antônio Braga). Luiz Melodia canta o samba, um dos que mais expõem o lado desventurado do poeta da Mangueira. 
    “Luz Negra” (Nelson e Amâncio Cardoso) está com os graves de Arnaldo Antunes. Nelson é pop. Antunes sabe disso. O arranjo refaz o clássico.
    “Se Você Me Ouvisse” (Nelson e Guilherme) tem Verônica Ferriani cantando o sofrimento em versos. Afinada como poucas, ela soa plena.
    “Rugas” (Nelson, Augusto Garcez e Ari Monteiro). Benito de Paula e seu piano, cheio de quebradas, atenuam a tristeza.
    “A Flor e o Espinho” (Nelson, Guilherme e Alcides Caminha). Ângela Ro Ro canta admiravelmente a obra-prima. O cello aguça a levada bossa nova.
    O samba esquenta com Teresa Cristina cantando “Quero Alegria” (Nelson e Guilherme) e apresenta, digamos, um lado mais solar de Nelson Cavaquinho.
    “Pranto de Poeta” (Nelson e Guilherme), cantado por Fabiana Cozza, acompanhada apenas por violão, é de arrepiar. 
    Cello e bateria recriam a trágica atmosfera de “Luto” (Nelson, Guilherme e Sebastião Nunes). O angustiado pedido do poeta é feito notavelmente pela pouco conhecida Milena. 
    “Ninho Desfeito” (Nelson e Wilson Canegal). O piano e a voz de Cida Moreira são dignos intérpretes de Nelson Cavaquinho. A emoção avassala a dor da despedida.
    Zezé Motta canta “Beija-Flor” (Nelson, Noel Silva e Augusto Thomaz Júnior).
    O cavaco e o ritmo começam. Diogo Nogueira canta “Cuidado Com a Outra” (Nelson e Augusto Thomaz Júnior) e acentua a picardia dos versos.
    Com direito a intermezzo de sax e muita percussão, Graça Braga canta “Fora do Baralho” (Nelson, José Ribeiro e Antônio Gomes Faria).
    “A Vida” (Nelson e Guilherme), na voz de Rita Ribeiro, só com violões, é definitiva demonstração do valor tanto do compositor quanto da cantora.
    Marcos Sacramento arrasa em “Dona Carola” (Nelson, Nourival Bahia e Walto Feitosa. O suingue contagiante o eleva ao patamar dos bambas do samba.
    “Duas Horas da Manhã” (Nelson e Ari Monteiro), por Filipe Catto e sua voz surpreendente, tem bela versão carregada de criatividade.
    Zeca Baleiro fecha o CD com “Juízo Final” (Nelson e Élcio Soares), obra definitiva de Nelson Cavaquinho, gênio nascido há 100 anos. Saudades.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4