segunda-feira, 28 de março de 2011

Coluna do Aquiles, o CD do quinteto instrumental Bamboo

Viva a música instrumental!

        Integrado por Alex Buck (bateria), Bernardo Ramos (guitarra e violão), Bruno Aguiar (baixo acústico), Josué Lopez (sax tenor) e Vitor Gonçalves (piano e acordeom), o Bamboo lançou seu primeiro disco (Brasilianos), que tem como título o nome do grupo.
        Você aí, que está lendo este texto, eu sugiro que busque ouvi-los. Ótimos músicos; bons temas compostos por eles; arranjos inspirados; solos, duos e improvisos plenos de criatividade. Intensos, mas irreverentes, experimentados, tão virtuosos quanto eficientes, eles se juntaram para iniciar um ótimo trabalho instrumental.
        Maracatu no Bambu (composição e arranjo de Bernardo Ramos) se inicia com o belo sopro do sax. O piano apoia e o maracatu soa esperto, em levada estilizada. O baixo, a bateria e o piano antecedem o improviso do sax. Logo a bateria, precisa, trisca nos pratos. O piano muda a concepção inicial e toca o tema de forma menos formal, mais desprendido da harmonia. Um rufo da bateria leva ao final.
        Sem Início, Sem Fim (composição e arranjo de Bernardo Ramos) vem com a arguta sonoridade da guitarra. O poderoso baixo acústico se junta ao piano e à bateria. O intermezzo fica a cargo do piano e do baixo. A guitarra assume o improviso, amparada por piano e bateria. O sax volta a solar, também escudado por bateria e piano, este que passa a improvisar. A bateria dá início a um quase solo, posto que a mixagem a coloca no mesmo plano do baixo. E o sax volta, e a guitarra sola... Meu Deus!
        Márcio Bahia (composição e arranjo de Alex Buck) conta com participação do bandolim de Hamilton de Holanda, que, junto com o sax, começa. Em poucos compassos, o baixo improvisa (!) sobre toques da bateria. Em ritmo alucinado, o acordeom brilha. O bandolim inicia um solo contido, mas logo se solta e arrasa.  O acordeom e o sax tocam em duo. Acompanhada de bandolim, acordeom e sax, a bateria sola... Que baita improviso, Deus do céu! Em revezamento, todos tocam para encerrar.
        Gratidão (composição e arranjo de Bernardo Ramos) é um tema extremamente doce. O violão dá o clima. Cuidadosamente, junto com o baixo, a bateria risca os pratos. O piano improvisa. Baixo e bateria pegam leve. Como se chorasse, o sax sola. A bateria cadencia e logo assume o ritmo de fato. O sax continua. O piano se une ao baixo e à bateria que toca nos pratos. Voltam sax e piano, e logo todos estão juntos novamente. Show!
        Nova Bossa (composição de Josué Lopez e arranjo de Josué Lopez e Bernardo Ramos) começa com piano, guitarra e bateria. Ao sax cabe o tema. A bossa nova assume sua cara. Para improvisar, a guitarra dispensa o ritmo. Piano e sax desenham. A guitarra volta à bossa nova. O duo agora é de guitarra com o sax, até que este se solta para improvisar. A bateria se agita e reúne todos para o final...
        Você pensa que acabou? Não, ainda há muitas mais. O que acabou foi o espaço para continuar a enaltecer um disco que engrandece ainda mais a música instrumental brasileira.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

segunda-feira, 21 de março de 2011

Coluna do Aquiles, o CD Áurea Martins

A áurica voz de Áurea Martins

Depontacabeça (Biscoito Fino) é o novo disco da dama dos dissabores. Que, com bons arranjos do violonista Lucas Porto, tem no repertório músicas de diversos autores em parceria com Hermínio Bello de Carvalho.
Abrindo, Áurea canta “Me Diz, ó Deus”, uma das quatro parcerias de Hermínio com Moacyr Luz presentes no CD. O violão e a flauta são acompanhados por leve toque do tamborim. A potente voz de Áurea avisa: a emoção começou. O cavaquinho desponta. Entendendo o chamado, flautas e clarinete se juntam à bateria e o ótimo samba ganha peso.
“Isso é Que É Viver” (Pixinguinha e HBC): o surdo marca, o violão de sete cordas ponteia com as baixarias que dão cara ao samba. O sax sola o intermezzo. Áurea canta e demonstra que poucas intérpretes têm tanta sensibilidade para dividir frases musicais. E seus graves? E seus agudos? Raros!
Mais duas músicas de Moacyr Luz: “Quando o Amor Acaba” e “Só o Amor Constrói”. A primeira é emocionante. Suave, a introdução entrega à cantora numa bandeja de prata a possibilidade de ser ainda mais pungente. Acompanhada apenas por cello e violão, Áurea se desvela ao cantá-la. Para tocar a segunda, o violão muda a levada, mais balançada. O sete cordas e o bandolim se esbaldam no samba.
“Cobras e Lagartos” é grande parceria de HBC com Sueli Costa. O piano dá o clima de casa noturna. Apesar de se valer dos pratos, a bateria toca suave, como que para não atrapalhar os casais que bebem e se beijam. O bandolim sola bonito. Áurea volta e o bandolim continua com ela. Findo o canto, o bandolim segue. Belíssimo momento de depontacabeça.
Para encerrar, “Pressentimento”, obra-prima de Elton Medeiros e HBC, revela uma Áurea Martins com pleno domínio da voz e das emoções. Em clima de gafieira, com direito a naipe de trombone, sax, trompete, coro e tudo o mais, o clássico se junta a “Quem Disse Que Eu Mereço” (Dona Ivone Lara), que traz o poeta Hermínio cantando. Um final de fazer sangrar corações.
Como a samambaia chorona que se debruça sobre o xaxim e cai até quase beijar o chão, Áurea derrama seu dilacerado canto na terra que se abre em imenso poço, onde o sofrimento adquire o ar da música que o redimirá. Como um paiol de pólvora prestes a pipocar, ela se põe de cabeça para baixo e explode em mil cacos musicais.
Poeta sem certezas absolutas, aberto à dúvida e ao pé atrás, disposto que é a criar belezas inusuais, os versos de Hermínio capturam o simples, tornando-o ainda mais popular, e podem ser tão lancinantes quanto a voz negra de Áurea. Poeta que procura sons que lhes são bússola a apontar nortes e buscar caminhos sempre à frente, de tão musicais suas frases parecem ser escritas diretamente no pentagrama. Depois de ser cantado por grandes damas da música, ele tem a ventura de cair nos braços daquela que se revela uma de suas maiores intérpretes: Áurea Martins, a que consegue dar ao poeta a picardia definitiva e ser a parceira vocal que todo compositor merece e carece ter.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4