segunda-feira, 18 de abril de 2011

Coluna do Aquiles, homenagem aos oitenta anos de Cauby Peixoto

Eu o saúdo, Cauby Peixoto!

Filho de um violonista, Elisário Peixoto, e de uma bandolinista, Alice Carvalho; irmão das cantoras Andiara e Iracema, de Araquém, o pistonista, e de Moacir, o pianista; primo do cantor Ciro Monteiro; sobrinho de Nonô, o pianista; tio de Dalmo Medeiros (um filho de Iracema), vocalista do MPB4, e da cantora Adriana Peixoto, Cauby Peixoto veio ao mundo para brilhar. E de tantos brilhos se vestiu que o mundo logo passou a ser seu enorme e reverente camarim.
Quando ele nasceu, Niterói o recebeu disposto a tê-lo como um filho que vai à vida, mas ao seu berço sempre volta. Dizem (não sei bem ao certo, porque não vi) que Cauby quando veio à luz não chorou, chegou iluminado por purpurinas, vestido com cetins e cantando “Conceição, eu me lembro muito bem”.
Pois foi num fevereiro, mês que é sinônimo de Carnaval, foi num remoto fevereiro de um ano que não se mede em luas, mas em acordes, que Cauby Peixoto Barros veio a nós para nos contagiar com sua voz.
Quando ele cresceu, o Brasil, a quem Niterói o concedeu, fez dele seu ídolo inconteste. Espelhos espalhados pelos quatro cantos revelavam o rosto de quem cantava para que todos nele se escutassem e se revelassem. E o rádio levava sua voz a quem quisesse ouvir, as revistas levavam sua imagem hollywoodiana a quem quisesse ver. E não houve quem não visse ou ouvisse aquele que trouxe consigo o dom de fulgurar.
Fulgurantes todos nós que ouvimos hoje aquele mesmo Cauby que desde sempre nos acostumamos a ouvir. Reverente ao seu talento, somo meu desejo ao de tantos outros: que sua voz não nos falte, você acalenta a nossa alma a cada dia.
Reflexos que somos de você que nos representa com seu dom, nós lhes damos hoje algo que não são meros escambo ou presente, mas uma retribuição por tudo o que de sua voz usufruímos (sem que você sequer suspeite, pois de nós nunca soube o rosto nem de nossas almas a aflição).
       Que seu camarim, Cauby, esteja sempre iluminado pelas estrelas das noites cantadas em prosa e verso, e pelo sol de cada dia que nos ilumina. Que dos seus espelhos se reflitam imagens de uma glória eterna, já que você está no interior da alma de cada brasileiro que pôde conhecê-lo.
       Inicialmente personificado nas ondas do rádio, Cauby Peixoto, que continua presente, ainda hoje, em CDs, DVDs e livros, ao comemorar seus oitenta anos de vida, está em meio a uma temporada de enorme sucesso no Bar Brahma, no centro da capital paulista. Coisa nossa é este grande intérprete que canta melhor a cada noite.
Todos nós daríamos agora mesmo mais de um milhão para termos sua eterna “Conceição” (o extraordinário sucesso de Jair Amorim e Dunga) para sempre viva em nossos ouvidos e mentes.
Saiba, Cauby, que os ídolos não podem fechar o camarim onde se vestem e se transmudam naquele que nos permite crer que uma das saídas para nossos males é fazer com que o belo pareça ser coisa nossa (como se fôssemos todos capazes de fazer igual). Viva para sempre, Cauby Peixoto!

Aquiles Rique Reis, músico e integrante do MPB4

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Coluna do Aquiles, o CD de Carlos Careqa

O cantar profano de Carlos Careqa

        Carlos Careqa lançou Alma boa de lugar nenhum (independente), álbum que confirma que não se deve enquadrá-lo em nenhum gênero musical reducionista: será que ele é um compositor da chamada “MPB”? Pode-se chamá-lo de vanguardista? De “maldito”? Experimentalista? Seria um erudito...? Ora, Careqa é bem mais que tudo isso: ele busca.  
       São dele dez das doze faixas inéditas do disco. Destas, seis são só suas e duas são de Bertold Brecht, em parcerias com Kurt Weill e Hanns Eisler (esta com versão do próprio CC, ele que aprendeu alemão por causa de Brecht).
       Carlos Careqa encontrou na sonoridade do piano a marca para o repertório do disco. Para tanto, levou para o estúdio grandes pianistas: Thiago Costa, Ana Fridmann, André Mehmari, Chico Mello, Paulo Braga, Gabriel Levy, Karin Fernandes e Arrigo Barnabé. Coube a eles escrever os arranjos das músicas que foram interpretadas por Careqa, sendo que uma é cantada com Chico Buarque e outra com Arrigo. Cada arranjo é uma criação ousada que se soma a interpretações que dela se vale para ouriçar os pelos de quem está por perto.
       Destaque para Chico cantando “Minha Música” (Carlos Careqa), quando sua voz canta à realidade e o sampler de piano de Renato Alscher e o piano de Paulo Braga tocam à fantasia. Destaque também para a delicadeza de “Todo Cuidado É Pouco” (Itamar Assumpção e Careqa), demonstrando ser musicalmente falso o dilema que vê como incompatível a sutileza de um piano, tocado quase que eruditamente, com a crueza de versos duros e ditos por um cantor afável, logo substituído por um cantar que raspa a garganta do intérprete.
       Ótimo cantor, Careqa tem voz afinada, bela quando a usa de forma melodiosa, desde que assim peça sua composição. Rascante quando sente necessidade de dar dramaticidade teatral à canção e sua voz soa quase que agressiva. Brejeira quando o humor diz presente e o cantar vem maneiro.
       Ainda que seus versos sejam sempre poeticamente densos, intensos; ainda que cada pianista convidado tenha se transformado em tradutor do som que foi criado originalmente pelo violão de Carlos Careqa; ainda que o estranhamento pontue as sílabas; ainda que cada acorde, cada harmonia, cada divisão rítmica sejam irreverentemente tocadas para chacoalhar as certezas do ouvinte... Ainda assim ele soa pungente. Ainda assim ele centraliza na poesia e na música o poder de cativar para sensibilizar.
       A poesia de Careqa é profana. Sua música tem a força de contrastes inusitados. Cristã e ateia, sua voz tange o inconsciente e reflete no estômago de quem a sente. Por mais que, ao ouvi-lo, sejamos impelidos a sentirmo-nos num pequeno palco, ambiente enfumaçado, luzes opacas, cheiro de bebida impregnando o ar, sala quase vazia, copo de absinto sobre o piano encardido, figuras decadentes e delirantes desfilando suas amarguras, o frescor da música de Carlos Careqa a tudo corrompe com o tanto que seu sangue é novo. E a tudo contagia. E a todos extasia.  

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Coluna do Aquiles, a caixa com três CDs de Johnny Alf

Johnny Alf para presente

Johnny Alf – Entre amigos (Lua Music) é um presente para os que tiveram o privilégio de ouvi-lo. Uma caixa com três discos com o mesmo objetivo, cada um à sua maneira: homenagear o grande compositor, instrumentista e cantor.
Com concepção e seleção de repertório de Thiago Marques Luiz e Nelson Valencia, o primeiro álbum, Johnny Alf ao vivo e à vontade com seus amigos, contém gravações ao vivo de Alf com alguns convidados ilustres. Com Cida Moreira, os dois ao piano, Johnny Alf canta “A Noite do Meu Bem”. Com sua voz poderosa, Cida contrasta com a delicadeza vocal de Alf. Tudo a ver. Emocionados, renovam a emoção presente na obra-prima de Dolores Duran. Na pouca conhecida, mas bela, “Nós” (Johnny Alf), Leny Andrade amplia sua bossa com ótimas divisões e afinação impecável. Guitarra, bateria e baixo a acompanham com simplicidade, que é o que pede a modernidade harmônica de Alf.
No segundo disco, Em Tom de Canção (título de uma canção de Alf), Alaíde Costa se responsabilizou por escolher o repertório e interpretá-lo do jeito que só ela é capaz de fazer. Seus agudos seguem firmes. Sua respiração dá aos versos e às notas a precisão com as quais foram concebidas pela genialidade do homenageado. Assim, em dez faixas produzidas por Thiago Marques Luiz, ela se desdobra e passeia através do que marcou a fantástica trajetória musical de Johnny Alf. Sensibilidade.
Johnny Alf por seus amigos é o terceiro CD. Produzido por Thiago Marques Luiz, dezesseis intérpretes capricham em homenagens a Johnny Alf. Acompanhada por piano, baixo, bateria e guitarra, com arranjo de Giba Estebez, Wanderléa faz reverente versão para o clássico “Ilusão à Toa” (Johnny Alf). Sua voz contida vai aos versos com elegante veemência. A levada bossa nova se ampara na pegada sutil dos instrumentos. Gostoso de ouvir. E Zé Renato dá sua voz afinada a “Céu e Mar” (Johnny Alf). O samba suinga. O piano pontua. A bateria é fina. O baixo marca. Apenas tudo isso.
Johnny Alf, carioca de Vila Isabel, veio ao mundo Alfredo José da Silva. De família humilde, tinha tudo para repetir a trajetória da criança pobre, órfão de pai, de um subúrbio qualquer. Não repetiu.
A música clássica disputava a preferência do menino com os grandes compositores americanos, principalmente os que compunham para cinema: George Gershwin e Cole Porter.
As músicas norte-americanas e brasileiras, tão diversificadas e ricas, foram fontes onde Alf bebeu da água cristalina que desce do morro em gingas sutis e se encontra com o improviso libertário do jazz. A sutileza e a liberdade entraram em suas veias.
Johnny Alf esteve sempre vários acordes à frente de seu tempo. Suas composições, seu piano, suas melodias e frases musicais são socos no estômago de quem duvidava de que pudesse ser genial o brasileiro que, desafiando preconceitos artísticos e musicais, criaria raras e infindas belezas. Gotas d’água num mar de notas de um teclado tão limpo e preciso quanto genial.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4