Tocando nas
nuvens
Entre Nuvens (independente) é o primeiro
disco de Luiz Millan. Bom compositor, letrista inspirado, o trabalho é um belo
cartão de visita. A partir dele, sua passagem pela grande porta da música
brasileira de qualidade se mostra real.
Michel Freidenson (arranjador e diretor musical) deu ao seu
teclado e às flautas de Léa Freire (com direito a saboroso fraseado da flauta
baixo) a responsabilidade de começar “E o Palhaço Chorou” (Mozar Terra e Luiz
Millan), música que abre os trabalhos. Junto com eles vão os violinos de Luiz
Amato e Esdras Rodrigues, a viola de Emerson De Biaggi e o violoncelo de
Adriana Holtz. O som resultante cria a beleza que deságua no doce cantar de Ana
Lee. O chorinho de boa cepa segue brejeiro. O teclado toca notas de suave
requinte. A cortina do naipe de cordas deságua na amplidão da boa música.
Afinada que só ela, Ana Lee dá à melodia o valor que enriquece os versos de
Millan e a harmonia de Mozar.
“A minha máquina escreve letras sem pudor/ E frases perdidas
entre a metafísica e o amor”, versos de “Montparnasse” (Plínio Cutait e Luiz
Millan), traduzem o objetivo poético de Millan. Para cantá-los, Consiglia
Latorre... Deus do céu! O que é a voz dela? Agudos límpidos, emoção à flor da
pele, respiração impecável... O acordeom (Toninho Ferragucci) e o piano iniciam
a canção quase frágil, tamanha é sua delicadeza. O acordeom se destaca. O
violão toca a harmonia, porém se faz protagonista num breve dedilhar de notas
uníssonas com o canto. O intermezzo de acordeom e violão, com
o piano a fazer-lhes cama, é especial.
Ana Lee inicia “Mito” (Luiz Millan e Ivan Miziara), uma das
quatro músicas do CD para as quais Luiz Millan criou a melodia, não os versos.
Mais uma vez, o arranjo de Freidenson usou cordas e teclado, além de baixo (Sylvinho
Mazzucca), cuja pegada reforça a levada sem tirar-lhe a suavidade, e bateria
(Alex Duarte), que se vale dos pratos para acentuar a força dos versos, sem, no
entanto, encobri-los. Tudo isso encarrega-se de vestir uma das mais belas
canções do CD. Canção que parece feita para a voz de Ana Lee, pois, ao
cantá-la, transforma-a numa ode à paixão. O intermezzo de
teclado e cordas é belo em sua fortaleza. Ao retomar o canto, Ana Lee
delicia-se com palavras: “Tens esta partitura/ Nas vértebras finas/ Tua música
pura/ Rima íntima”.
“Outono” (Luiz Millan e Michel Freidenson), um dos dois
temas instrumentais do CD, tem no sax soprano de Teco Cardoso o ponto de
partida. O teclado o acompanha. As cordas também. Mais um belo arranjo de
Michel. O acordeom de Ferragucci chega para aumentar a temperatura e o prazer
de fazer da música fonte de deleite estético.
Instrumentistas, cantoras, compositores, arranjadores, um
grupo coeso que só ratifica a excelência musical, instrumental, vocal e poética
de um trabalho que abre a possibilidade de mais um compositor se juntar ao time
dos que fazem da música brasileira a mais rica e diversificada do mundo: Luiz
Millan.
Aquiles Rique
Reis, músico e vocalista do MPB4
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