Um pássaro chamado Sucesso
Ele nasceu cego num ninho no forro de um velho teatro.
Rejeitado por pais e que tais, foi abandonado para que definhasse sua solidão
até que a morte viesse. A companhia teatral acompanhou o nascimento de sua
plumagem e, mesmo sem compreender exatamente o que fazia ali aquele pássaro dia
e noite, quase imóvel, no alto do madeirame que sustentava o cenário, aprendeu
a conviver com ele. Era com se fizesse parte da montagem do espetáculo. Um ator
a mais.
O pássaro cego cresceu alimentando-se de palavra e música.
Ousava voar quando se fazia o silêncio. Como um fantasma, conheceu cada canto
do teatro. Deixava-se ficar por longo tempo nos camarins. As gavetas vazias,
ah! Quanta magia naquela ausência de objetos. Gavetas prenhes de desejos,
repletas de confidências não reveladas. Desejou morar numa delas. Sentindo o
calor das luzes que emolduram o espelho, o pássaro cego tentava vislumbrar sua
imagem. Em vão.
Dia de estreia. “Lotação esgotada”, dizia a placa pendurada
na bilheteria. A plateia rebuliça. A coxia treme. O pano sobe. As luzes
acendem-se. O pano sobe, o espetáculo começa. Cai o pano. Os
aplausos vêm como uma chuva forte, torrencial. Imóvel, o pássaro vibra. O som
das palmas entra por sua penugem e soma-se às palavras e músicas que lhe
habitam o corpo.
No proscênio o elenco agradece ao público. Acende-se um
refletor em contraluz. Vislumbra-se uma sombra em silhueta. Num gesto teatral,
a atriz principal olha para o alto. Todos acompanham seu movimento. Sua voz vem
firme: “Pássaro que está prestes a morrer, para que tu não vás pagão eu te
batizo. De hoje até tua morte inevitável e prematura, atenderás pelo nome de
Sucesso.”
Finda a temporada, novos teatros acolheriam a trupe que
continuaria buscando fazer a emoção e o riso chegarem à plateia. Esta é a vida
de quem vive para o teatro. Cada palavra, cada nota musical, é buscada dentro
da alma e despejada sobre o espectador na esperança de vê-lo feliz.
Pássaro espetáculo, Sucesso ama tanto o palco quanto ao ar
que o sustenta em voo. Quando a cidade dorme, ele decola para sua missão:
inocular o vírus do amor ao teatro nos que sonham. Movido por sua cegueira, ele
“sente” quem devaneia. Em suas casas Sucesso pousa. Dá três batidas, como as de
Molière, e as janelas abrem-se, como cortina do teatro.
Iluminado na cegueira, Sucesso anuncia, em versos, os
espetáculos que estão em cartaz na cidade. Envolto em panos teatrais, ele faz
com que suas palavras invadam o coração daqueles que nas noites seguintes irão
ao teatro. Sucesso voa, também, até a janela dos artistas que desafiam o
tamanho das salas de espetáculos. Seja astro ou principiante, o pássaro invade
seus corações, dando-lhes esperança e força.
Sucesso volta ao teatro, adormece no camarim e sonha com Goethe,
que recita a primeira frase de sua “Carta de Aprendizado”, escrita para o
personagem Wilhelm Meister: "Longa é a arte, breve a vida, difícil o
juízo, fugaz a ocasião (...)"
Aquiles Rique
Reis, músico e vocalista do MPB4
PS. Aguenta firme,
Doutor Sócrates!
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