Musicalmente
necessário
Logo que recebi Canción
necesaria (Núcleo Contemporâneo), CD que reúne a cantora argentina
Cecilia Stanzione e o compositor, arranjador e mago dos sopros Mário Sève,
chamou-me atenção o título. Antes mesmo de rodar o disco pela primeira vez,
pus-me a matutar sobre o seu significado.
Que atributos a música deve ter
para se fazer necessária? Será que é o momento pelo qual passamos que a torna
importante a ponto de marcar uma etapa de nossa vida? Será que é uma harmonia
bem trabalhada, um verso que diz o que não conseguimos dizer ou o som de um
instrumento que atiçam a nossa emoção? Ou é o timbre de uma voz que se esgueira
pelos poros, indo ao nosso âmago, atingindo o que temos de mais reservado, que
faz uma canção ser, de fato, necessária?
Uma música se faz imprescindível
quando nos surpreende, quando nos pega de jeito, de uma forma para a qual não
estamos preparados. Necessária é a música que se faz trilha sonora de um
momento, tornando-se nossa parceira vida afora. Ela é necessária quando dela
nos tornamos amantes confidentes, quando só ela nos desperta o choro ou a
alegria. Necessária é a canção que nos faz reféns das garras do seu
encantamento.
Canción necesaria traz onze faixas
de autoria de Cecilia e Mário: “Una Milonga” tem belíssimo arranjo de Gabriel
Geszti, no qual pontificam o sax tenor de Sève, o violão e o baixolão de Rene
Rossano, o cello de Lui Coimbra e o piano e o acordeon de Geszti. Com um
singelo desenho melódico de seis notas (por vezes trocando a nota final) tocado
pelo baixolão, ora só, ora com o piano, e que se repete desde a introdução até
o final, vem a voz caliente de Cecilia Stanzione.
Poderosamente afinada, criativamente emocionada, enquanto lhe dá ares épicos
ela reforça a dor da canção, criando atmosfera lírica e sombria ao mesmo tempo.
O diálogo da voz com o acordeon é rico em interpretações várias. O piano e o
cello criam um módulo sobre o qual o arranjo flui como um rio tranquilo O sax
se une a eles para, com a voz de Stanzione, encerrarem. Meu Deus, eis uma
canção necessária.
O violão toca desenho de
simplicidade contagiante. A voz que dá início a “Justo Ahora” é de Ney
Matogrosso – a levada da canção tem a cara das músicas em que Ney mais brilha,
e ele não nega fogo. A puxada do baixolão carrega junto o sax e o violão. O
arranjo de Mário Sève dá ainda mais sabor à música, ela que ganha muito mais
peso quando Cecilia se junta a Ney, em preciso dueto com direito a vozes
abertas. O intermezzo de sax e acordeon é papa fina. Com
vocalises e o acordeon, vão ao final.
Apenas a voz e o acordeon
interpretam “Perfume de Violetas”. A simplicidade do arranjo de Gabriel Geszti
permite que a voz de Cecilia ganhe profundidade. Carregando nos erres, ela se
desvela em carinhosa e afinada interpretação, e seus agudos soam com a precisão
de faca cortando manteiga.
Canción necesaria é um trabalho
que merece toda a atenção, pois se trata de um CD musicalmente necessário.
Aquiles Rique Reis, músico e
vocalista do MPB4
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