Protestar é preciso
Quando é que o compositor decide fazer uma canção de protesto? Quando é que o poeta resolve se insurgir contra a injustiça, a esta dirigindo seus versos e não à sua amada? É no tempo de uma ditadura militar? É sob o jugo da repressão feroz que tortura e mata? É quando vê calarem sua voz pela força da censura? Claro que sim! Não necessariamente.
Faço parte de uma geração de protesto. Criamos uma estética de contestação, por intermédio da qual nos rebelávamos contra a ditadura e a repressão da censura. Naquele momento (pós-1964, pós-1968), era a maneira que tínhamos de exercer nossa cidadania.
À época, muitas vezes, elegemos algumas canções – que não protestavam contra a ditadura –, como símbolos da luta de resistência. João do Vale e seu “Carcará” são um bom exemplo, ele que não era o que se poderia chamar de um autor de protesto. Engajado? Talvez. Menos por isso e mais por nossa necessidade de vermos “revolucionários saídos do povo”, “Carcará” era um dos nossos hinos.
Num momento em que o confronto com a censura era inevitável, todos temos histórias das quais saímos pouquíssimas vezes vencedores e, de outras tantas, remoendo uma raiva impotente pela derrota.
Em 1971, o saudoso Maurício Tapajós mostrou para o MPB4 uma canção que acabara de criar com Paulo César Pinheiro: “Pesadelo”. “(...) Você corta um verso eu escrevo outro (...)”. “Isto não passa na censura, Maurício!”, dissemos. “Se eu conseguir liberar vocês gravam?”, desafiou ele. “Claro!”, respondemos, incrédulos.
Maurício e Paulinho levaram à censura várias letras de ingênuas marchinhas de carnaval e, no meio do bolo, “Pesadelo”. O carimbo “liberado” foi batido burocraticamente em todas aquelas músicas para a festa, inclusive “Pesadelo”, que não tocou no Carnaval... Gravamos a música em 1972. Comemoramos e rimos como se a batalha houvesse sido ganha.
Em 1973, junto com Chico Buarque e Gilberto Gil, participávamos da Phono 73, cantando “Cálice”, dos dois, inédita à época. Na cabine de som do Anhembi, em São Paulo, um batalhão de censores acompanhava ostensivamente a “inocente” mostra de música.
Cantados os primeiros versos, os microfones “misteriosamente” emudeceram. Percebendo a manobra, nós mesmos, no palco, diante da plateia atônita, começamos a substituir por outros os microfones emudecidos pelos agentes federais. Foi uma sequência angustiante de “emudecimentos”. Ao final da batalha, um mar de microfones, mudos como os cantores, os compositores e o público. Essa nós perdemos e choramos de raiva.
Sempre haverá música de protesto. Haverá época em que canções serão criadas para protestar contra aquelas outras que já protestavam e cujas letras reclamavam contra injustiças e arbítrios. Dom e Ravel cantam “Eu Te Amo, Meu Brasil”; os Paralamas do Sucesso, “Trezentos picaretas com anel de doutor”. O Planet Hemp, a maconha... Tem lugar para todos.
Enquanto houver um poeta olhando a lua e um déspota no poder, haverá música de protesto.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
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