Linha de montagem sonora
Adriana Holtz toca violoncelo na Orquestra Sinfônica de São Paulo, Ney Vasconcelos, contrabaixista, também é da OSESP, Emerson De Biaggi toca viola na Orquestra da Universidade de Campinas, onde o violinista Esdras Rodrigues também toca, enquanto Luiz Amato toca violino e é professor na Universidade Estadual Paulista.
Cinco músicos sinfônicos, talentos que também se interessam por música popular, cabeças que se dispõem a revelar o quanto a diferenciação entre uma e outra é restritiva e, por isso mesmo, indesejável. Juntos, decidiram criar o quinteto de cordas (viola, violoncelo dois violinos, e contrabaixo) Quintal Brasileiro – sem preconceito, buscando tocar o que lhe soa como música de qualidade, que mereça ser tocada e ouvida.
Cinco professores tirando de seus instrumentos o que de melhor podem dar: afinação impecável, pegada certa na hora exata, dinâmica precisa no momento adequado e riqueza na variação do fraseado e das divisões.
Ao gravar Vibrações (Tratore), seu segundo disco, o Quintal decidiu fundar o que poderia ser chamado de fábrica sonora. Como operários de uma linha de montagem, diligenciaram tocar o que diversos maestros convidados escreveram para eles e seus instrumentos.
No disco está registrada a concepção musical de seis arranjadores. Luca Raele, por exemplo, transformou o Hino Nacional numa peça sinfônica, na qual pontos e contrapontos passam dos violinos para a viola e desta para o violoncelo, indo ao contrabaixo e voltando novamente a cada um para solos e improvisos.
“Nítido e Obscuro” (Guinga) destaca o clarinete e o arranjo de Paulo Sérgio Santos, outro a vestir o macacão de operário da oficina de montagem do Quintal. A adaptação do arranjo para cordas é de Luiz Amato, que saboreia misturar intenções sem que se percam as suas origens, a fim de soarem como de fato nasceram para ser: boa música.
“Vibrações”, clássico de Jacob do Bandolim, conta também com dois chorões/oficineiros da pesada, os irmãos Izaías Bueno de Almeida (bandolim) e Israel Bueno de Almeida (violão de sete cordas), que tocam o arranjo de Mário Záccaro como se estivessem à luz de vela numa roda de choro. As cordas tocam em pizzicato e a eles se juntam na plangente melodia jacobiana, que depois de idas e vindas harmônicas ralenta e vai ao final.
“Choro Negro”, de Paulinho da Viola, foi revisitada por Nelson Ayres com um arranjo supimpa, enquanto “Someday My Prince Will Come” (Frank Churchill), belo tema do filme Branca de Neve e os Sete Anões, teve arranjo de Luiz Amato – ele que também fez o da “Embolada” dasBachianas Brasileiras Nº 1, de Villa-Lobos, que fecha o bom Vibrações.
Ao se mostrar capaz de servir a experimentações, dispondo-se a se entregar de mãos e alma aos arranjos concebidos pelos maestros convidados, o Quintal Brasileiro enaltece seu desprendimento e torna-se exemplo de que somando a música popular à erudita, recriando irrestritas belezas na diversidade, seguirá virtuoso.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
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