segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Coluna do Aquiles / Memórias, última parte


Fim de temporada no Leblon

Hoje eu acordei com a macaca; a cobra vai fumar; eu estou é com a cachorra. Para além de parecer palpite para terno de grupo no jogo do bicho, esse foi o sentimento que me assaltou quando abri os olhos.
Que manhã de sol, meu Deus! Domingo como há muito o Leblon não via. Nuvens batiam em retirada, empurradas por um final de sudoeste frio que a tudo limpa e regenera. Pulei da cama com entusiasmo quase juvenil para quem ainda carregava na memória os fatos lamentáveis do domingo anterior de sol no Leblon, após tanto tempo afastado.
Num arrepio, a cena dantesca de corpos seminus amontoados no calçadão da praia voltou a me assombrar. Nunca poderia imaginar que causaria aquele engavetamento erótico só porque, subitamente, me abaixei para amarrar o cadarço do tênis. Com pavor, revi a cena de arena de circo romano, quando ao apontar as Cagarras, acertei um direto no queixo de um lutador de jiu-jitsu que passava acompanhado do seu dogue alemão. Scud, assim chamavam o meu quase carrasco, o que quase me levou pro solo e me fez mulher, como diria o sábio-erótico Wando.
Abri os olhos disposto a esquecer qualquer desventura que pudesse macular aquele azul suave que descia à terra. Nem mesmo a lembrança incômoda daquele encontrão desajeitado que tive de aplicar num poodle, que quase o jogou no mar e me tirou o bom humor. Fomos.
Vejo que Chico Buarque caminha rapidamente em nossa direção. Pronto, pensei, mais um que vai passar batido... O cumprimento vem acompanhado de um sorriso largo. Olho para minha mulher, sua cara é de incredulidade. Sorrio como quem diz: "Viu só?"
Seguimos felizes. Estava linda a minha mulher iluminada pelo sol. Foi quando uma lufada de vento carregou-lhe o chapéu de palha molenga que a protegia. Disposto a impedir que aquilo pudesse atrapalhar nossa dia, saí desembestado atrás. Fintas, volteios, subidas bruscas, descidas em espiral, ziguezague pra cá, ziguezague pra lá e eu, já tonto, perseguindo o chapéu de palha molenga da minha mulher. Por entre os carros, dentro d’água, no meio do vôlei. Meu Deus! Estava tomando um baile do chapéu de palha da minha mulher molenga, ou melhor, do chapéu molenga da mulher de palha... Xiii!
Mas aqui já é a entrada do Túnel Rebouças? O chapéu entrou. "Táxi, siga aquele chapéu!", ordenei. Já sem fôlego, percebi que àquela altura o helicóptero da Rede Globo mandava imagens da "obstinada perseguição" para todo o Brasil.
As pessoas vaiavam a cada drible que eu levava. Surdo pelo cansaço, eu ainda conseguia ouvir sons distantes: "Esse velho vai morrer" e "Calma, coroa". Linha Vermelha, e o chapéu de palha molenga da minha mulher acabando comigo. Chego à Pavuna: Via Dutra – São Paulo a 426 quilômetros. Agora não tem mais volta, pego essa droga de chapéu nem que seja lá no Paraíso.
Pronto, estou em casa. O chapéu, amarrado ao pé da mesa, parece que ri. "Alô! Nilza, pegue a primeira ponte aérea e volte para casa, tá? Estou te esperando. Um beijo".

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

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