Sagração à música
A pianista, compositora, cantora e arranjadora Delia Fischer lançou Saudações Egberto (Sesc Rio). Um disco em louvor à música de Egberto Gismonti.
Privilegiando composições já conhecidas do compositor, instrumentais ou não, mas que sempre encantaram dadas suas admiráveis qualidades, Delia deu mostras de profunda sensibilidade. Seu piano e sua voz, ungidos pela tranquilidade que vem com a maturidade, acrescentam nuances outras ao repertório de um dos nossos mais instigantes músicos contemporâneos.
Compositor pleno de soluções da mais absoluta imprevisibilidade, bem que Egberto merecia ser revisitado por alguém com a disposição de repensá-lo e de dar à interpretação sua própria linguagem musical, livre de qualquer pré-conceito já cristalizado. E é exatamente isso que Delia traduz em cada uma das treze faixas escolhidas para seu álbum: um jeito só seu de fazer com que as canções de Egberto soem como o ar puro que se revigora após o temporal. Tudo isso, aliado à impecável técnica que Delia tem como pianista, dá a Saudações Egberto tamanha unidade que faz dele um disco de consistente encorpadura.
A contemporaneidade logo dá as caras com “O Sonho” (Gismonti). O arranjo é do “pirulito carijó” (quando algo era muito bom, dizia-se assim lá em Niterói). Moderno, refaz o caminho sonhado por Egberto. O teclado de Sacha Amback desconcerta, tal a sua capacidade de proporcionar ligação entre a percussão (intensa) de Naife Simões, o violino e o cellolino (com pizzicatos primorosos) de Pedro Mibielli, o baixo (seguro) de Pedro Guedes e a voz e o piano de Delia Fischer.
Segue-se “Lôro – Cor de Sol” (Gismonti e Eugenio Dale). Delicado, o violão começa. Delia inicia o canto. Seu piano se junta ao bandolim (Pedro Mibielli). A melodia de Egberto agradece o carinho. O intermezzo de piano tem a bateria em batida leve, mas firme. Ao voltar o canto, a caixa soa uma levada de maracatu. O suingue aumenta. O piano brilha; bandolim e violão também. A harmonia se mostra plena em sua concepção original, acrescida por criativas inserções.
O piano começa a versão instrumental de “Palhaço” (Gismonti e Geraldo Carneiro). A delicadeza está em cada tecla percutida por Delia. O violino e o flugelhorn (Naife Simões) criam sonoridade ímpar. Logo o violino faz belo solo. O piano o acompanha, até puxar para si o improviso. O piano sola. A sonoridade do flugel e do violino volta a protagonizar. O piano retoma, o violino se junta a ele. Volta o som do violino e do flugel... Meu Deus!
E tem ainda Egberto tocando violão de 10 cordas na sua “Saudações”; Paulinho Moska cantando com Delia “Um Outro Olhar – Pêndulo” (Gismonti e Ronaldo Bastos), ela que por sua vez vai de Fender Rhodes em “Dança das Cabeças” (Gismonti) e, só com o seu piano, canta “Auto-Retrato” (Gismonti e Geraldo Carneiro), um monumento à solidão, doce utopia.
Ao homenagear Egberto Gismonti, Delia Fischer consagra a música, faz dela um testemunho de fé no músico brasileiro.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4